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A Mozper quer transformar o smartphone em aliado dos pais na missão de criar filhos financeiramente inteligentes

Leonardo Neiva / 15 mar 2023
Gabriel Roizner e Yael Israeli, cofundadores da Mozper.
Leonardo Neiva - 15 mar 2023
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Após comandar empreendimentos focados em publicidade e moda — duas áreas bastante distintas —, o uruguaio Gabriel Roizner, 38, decidiu tirar um ano sabático em 2019.

Ele tinha acabado de concluir a venda da TiZKKA, plataforma de moda que ajudou a criar e que auxilia o usuário na hora de montar seu look no dia a dia.

O empreendedor se considera um nômade, tendo vivido, trabalhado e empreendido em países como Israel, França, Argentina, Chile e México ao longo da carreira.

No entanto, foi só pausar as atividades profissionais que começou a receber uma série de pedidos, desta vez informais. “Meus amigos achavam que eu era uma espécie de guru financeiro”, diz Gabriel. “Me perguntavam o tempo todo onde investir ou se deviam pedir um empréstimo.”

Na mesma época, a executiva Yael Israeli, 37, com 15 anos de experiência no mercado financeiro, vinha enfrentando uma dificuldade: precisava cuidar das finanças de casa, não só controlando os gastos online dos três filhos, mas ensinando as crianças a usar o dinheiro de forma responsável.

“Muito do que fazemos quando adultos se baseia nos hábitos que desenvolvemos na infância em relação ao dinheiro. Portanto, se pudermos estabelecer hábitos saudáveis, acostumá-los a fazer as coisas corretamente desde o início, é um presente que vai durar a vida inteira”

Naquele ano, Roizner vivia no México e percebeu que a educação financeira era um gargalo que afetava a América Latina como um todo. Acabou procurando Yael, que era casada com um de seus melhores amigos, para propor um negócio: um empreendimento que ajudasse os pais a educar os filhos financeiramente.

Assim nasceu a Mozper. A ideia é ao mesmo tempo simples e ambiciosa: oferecer às crianças uma conta e um cartão próprios, nos quais os responsáveis depositam a mesada e orientam desde cedo o controle dos recursos.

A Mozper nasceu um ano atrás, operando de início exclusivamente no mercado brasileiro. Agora, em janeiro de 2023, recebeu aval para operar em terras mexicanas (por conta da legislação do país, a fintech aguardava uma autorização para se estabelecer como Instituição de Fundos de Pagamento Eletrônico).

A startup oferece um plano gratuito, com menos funcionalidades, e um pago, em que os pais conseguem separar os gastos por áreas e abrir múltiplas contas para os pequenos (228 reais no plano anual ou 25 reais por mês). Só por aqui, o app alcançou 480 mil downloads, com usuários em 2 500 cidades, e a startup emitiu 70 mil cartões físicos, sem contar os virtuais. 

Tendo crescido em ambientes familiares que incentivaram conversas sobre dinheiro, Gabriel e Yael, respectivamente CEO e CFO da Mozper, consideram que o negócio pode facilitar o diálogo sobre o tema nas famílias latino-americanas. Gabriel conta:

“Muitos pais nos procuram para dizer que a Mozper está ajudando a iniciar a discussão sobre finanças em casa”

Leia a seguir a conversa que Gabriel e Yael com o Draft:

 

Vocês dois vinham de um background profissional bem diferente do que fazem hoje. Como foi que acabaram entrando na área da educação financeira para jovens?
YAEL: Eu e Gabriel temos motivos muito diferentes para entrar na área. Eu descobri a necessidade disso como mãe. Tenho três filhos. Durante a pandemia, eles estavam gastando muito online. Era incontrolável. 

Eu moro no Panamá, mas sou cidadã americana, então procurei os serviços da Greenlight, uma empresa dos EUA que visa a educação financeira e gestão de dinheiro entre pais e filhos. Só que nem todos os pais na América Latina têm acesso.

A partir daí, pude entender o valor que isso teria para toda criança latino-americana e qualquer pai que enfrenta dificuldades para administrar as necessidades e gastos online dos filhos.

GABRIEL: Depois de fazer parte do ecossistema de startups na América Latina, tendo passado por São Paulo, México, Buenos Aires e Chile, percebi que o objetivo da maioria das fintechs da região era dar acesso a serviços como cartões e investimentos.

Só que, para ter inclusão financeira real na América Latina, não basta dar acesso. Também é preciso ensinar a população a usar esses serviços. E o que funciona melhor do que criar filhos financeiramente inteligentes? 

Quando eu era criança, não existia smartphone, então recebia minha mesada em dinheiro. Hoje, esse dinheiro precisa passar pelo celular, que é onde eles gastam

Então, ajudamos os pais na educação financeira dos filhos, aproveitando seus smartphones e a mesada. Foi aí que sugeri à Yael aplicar a lógica do Greenlight para consertar esse problema na América Latina.

Como a Mozper ajuda os pais a fazer esse trabalho de educação financeira das crianças pensando no futuro?
YAEL: Trabalhamos em três pilares básicos: o ganho, a economia e os gastos. Nessa ordem, porque o bom hábito financeiro é poupar antes de gastar.

Então, automatizamos a mesada para que os pais enviem às suas contas no dia da semana que definirem. Para que as crianças saibam que dinheiro não cresce em árvore, que é preciso trabalhar para consegui-lo, os pais podem definir também tarefas para que seus filhos garantam a mesada e até torná-las recorrentes. 

Se os pais querem alocar dinheiro para usos específicos, recomendamos colocar 20% da mesada diretamente na poupança. Assim, eles acostumam os filhos a sempre separar alguma coisa antes de gastar

Além disso, os pais podem atribuir cifras específicas de dinheiro para cada categoria de gastos, como alimentação e transporte.

Senão, acontece muito de um pai dar 50 reais para o filho, que gasta tudo em outras coisas e fica sem almoço. Quando você impõe essas categorias, ensina a criança a viver de acordo com um orçamento e aplicá-lo da melhor maneira. 

Então, a criança tem experiências com o dinheiro no mundo real. Se ela gasta errado, perde algo. Isso é essencial para que aprenda a ser responsável com seu dinheiro

E o mais importante, nossos cartões não podem ser usados em compras ilícitas. Bloqueamos automaticamente qualquer transação não apropriada para menores de 18 anos, como jogos de azar ou pornografia.

Os pais também podem criar tarefas para que os filhos sejam bonificados penas depois de cumprir com essas “missões”, certo? Como funciona isso? E além disso, a startup busca outras formas de incentivar a educação financeira?
GABRIEL: Damos algumas opções pré-prontas, como arrumar a cama ou  quarto, mas os pais podem criar qualquer tarefa.

Não é a maioria dos pais que usa essa funcionalidade. Apostamos em trazer as ferramentas para que sejam ou não usadas de acordo com o próprio critério dos responsáveis, mas incentivamos sempre que utilizem cada vez mais para auxiliar no aprendizado da criança.

Sobre outras formas de incentivar a educação financeira, também produzimos conteúdos educativos nas nossas redes e comunicações como email.

Pretendemos expandir esse conteúdo em 2023 para nosso blog e aumentar a quantidade disponível dentro do aplicativo.

Nossa ideia é, além de trabalhar diretamente com as crianças, oferecer ferramentas para que os pais possam fazer parte da educação financeira de seus filhos.

Pesquisas mostram que dinheiro ainda é um tabu em muitos lares brasileiros. Isso não é um empecilho para o trabalho da empresa?
GABRIEL: Muitos pais nos procuram para dizer que a Mozper está ajudando a iniciar a discussão sobre finanças em casa, porque na América Latina esse assunto ainda é tabu na maioria das famílias.

Na verdade, a Mozper vira um gatilho que facilita essa conversa, porque criamos um ambiente seguro para pais e filhos

Fornecemos as ferramentas e os ingredientes para a autonomia financeira, mas não a receita. Isso os pais criam para cada filho. Somos facilitadores, mas não educamos.

Considerando nosso contexto de desigualdade social e falta de educação financeira, parte da população adulta ainda não sabe lidar com o dinheiro. Isso não é um problema quando se fala em ensinar os filhos? Ou o público-alvo da Mozper são famílias de classes mais altas?
YAEL: Na maior parte das vezes, as famílias procuram a Mozper para lidar com os gastos online de seus filhos. Então, naturalmente, essas crianças têm acesso a telefones, tablets, computadores e dispositivos de seus pais.

Isso cria uma segmentação em relação às classes sociais que vão adotar a plataforma. No entanto, estamos vendo uma boa penetração em diferentes classes

O Brasil é um mercado com grande potencial de crescimento para nosso serviço nesse sentido.

Também faz falta ter uma educação financeira formal nas escolas brasileiras? Ou o que os pais ensinam em casa acaba sendo mais impactante?
GABRIEL: Você pode aprender muitas coisas nos livros, mas se não conseguir colocar isso em prática, é um problema.

Na escola, a aula é a mesma para todos, e cada criança é diferente. Se uma recebe dez reais de mesada e a outra mil, talvez o aprendizado não deva ser o mesmo para as duas. Então sim, ter educação financeira na escola é uma coisa incrível, mas precisa colocar a mão na massa

Na escola, aprendi mais nas aulas práticas do que nos livros. Em matérias como física e química, eu amava ir ao laboratório.

Pessoalmente, vocês receberam uma educação financeira em casa?
GABRIEL: O que estou tentando replicar na Mozper é a dinâmica que eu e meu pai tínhamos quando eu era criança.

Venho de uma família que podia me dar uma mesada semanal, mas isso dependia do orçamento que eu fazia para meu pai.

Então, se eu dizia que precisava de 100 reais, ele me dava o dinheiro apenas se acreditasse que o orçamento estava correto. 

Hoje, ele ainda guarda no escritório os guardanapos que usávamos para fazer as contas. Era nesses guardanapos que eu também fazia meus planos de carreira, onde faria o primeiro grau, mestrado, com o que queria trabalhar 

Ele tirava sua soneca de final de semana e, quando acordava, me levava a uma cafeteria, onde tomava seu expresso extra forte enquanto eu escrevia nos guardanapos.

Basicamente, a Mozper é a versão digital desses guardanapos. Mais tarde, fui trabalhar como vendedor na loja de roupas dos meus pais e sempre tentava fazer um dinheiro extra para complementar o orçamento.

YAEL: Eu não tive uma experiência tão estruturada quanto o Gabriel, mas tinha um fluxo livre de conversa dentro de casa.

Dinheiro não era um tabu, então tudo bem fazer perguntas sobre isso. Ouvíamos sobre os negócios dos meus pais e sempre sabíamos nossa situação financeira. Isso criou uma cultura em que aprendemos naturalmente. 

Também tive educação financeira na escola. Lembro de fazer um projeto terrível em que eu interpretava uma aeromoça que era mãe solteira, e eu tinha que administrar seu orçamento por um semestre

Foi muito difícil, mas desde meu primeiro contracheque num emprego de verdade, no Lehman Brothers, eu já estava preparada para controlar minhas finanças. Essa cultura ainda não existe na América Latina.

Vocês lembram de algum caso de como as crianças ou pais mudaram o comportamento em relação ao dinheiro a partir da Mozper?
GABRIEL: Eles não chegaram a nos entrevistar, mas a Folha de S.Paulo acabou falando com uma cliente nossa que mudou de vida a partir disso [a reportagem conta a história de uma mãe de cinco filhos que superou uma relação abusiva através da educação financeira].

A matéria fala por nós. Até me arrepiei quando fui ler o texto. Esses são os valores que queremos passar aos pais. E é o principal diferencial entre a Mozper e qualquer outro serviço existente no mercado.

Yael, como é a relação de seus filhos com o dinheiro em casa?
Meus três filhos compartilham um iPad.

Uma noite, recebi uma notificação: eles tinham gasto 27 dólares no Roblox [plataforma de game online] sem minha permissão. Eu não acreditei que aquilo tinha acontecido comigo

Tenho o controle dos pais, e a única maneira de efetuar uma transação é usando minha impressão digital. Só que é possível cadastrar uma impressão digital secundária e usá-la para autorizar transações.

Então, reuni meus filhos e testei as impressões de todos. O dedo da mais nova, que na época tinha 6 anos, desbloqueou a plataforma.

Por um lado, fiquei muito orgulhosa, porque ela pensou fora da caixa, mas também chateada. A Roblox acabou reembolsando o dinheiro, e me disseram que isso acontece o tempo todo. 

Venho de um histórico financeiro tão natural que é importante para mim, como mãe, incutir essas coisas em meus filhos. Mas foi um grande desafio também.

Então, antes de mais nada, o que uma ferramenta como a Mozper faz é facilitar essa conversa e educar de forma estruturada, sem esforço. 

A outra vantagem é que reduz o atrito. Como pai, você tem que lidar com pedidos dos filhos o tempo todo. Com a Mozper, é como ter um contrato em vigor, que é cumprido e respeitado por ambos os lados

Você olha para a tela e mostra: isso é o que te dei e isso é o que você gastou. Agora, essa é a situação. Então, o que aprendemos com isso?

Gabriel, recentemente, você se tornou pai. Como pensa que será essa conversa sobre dinheiro com seu filho quando chegar o momento, já que para você isso foi algo tão natural?
Em primeiro lugar, eu teria a mesma abordagem que meu pai teve comigo, sem tabus em nossa família. O único filtro é relacionado à idade para garantir que ele tenha habilidades suficientes para entender diferentes tópicos, e uma habilidade básica é matemática — meu filho tem apenas 5 meses.

Há cerca de 28 anos, meu pai costumava se sentar comigo para preparar e negociar a mesada semanal. Ainda me lembro de anotar em um guardanapo e apresentar a ele.

Minha mesada semanal era uma quantia diferente a cada semana e ele me desafiava em cada despesa. Mais do que dinheiro, para mim foi um tempo de qualidade com meu pai.

O que mudou daquela época para hoje é a tecnologia, então ainda quero ter aquelas conversas com meu filho como tive com meu pai e aproveitar as novas tecnologias a seu favor, como a Mozper quando chegar a hora.

Yael, como uma mulher empreendedora em um mercado ainda bastante machista e uma empresa que lida com famílias e crianças, você busca inspirar outras meninas e mulheres a seguirem um caminho empreendedor?
Estou definitivamente envolvida com a comunidade feminina. Trabalho em parceria com uma organização que ajuda mulheres empresárias.

Mas adoro encorajar a próxima geração sendo um exemplo de um estereótipo atípico. Tenho um pé num mundo e um no outro. 

Quando você vê uma executiva financeira mulher, espera que ela seja de uma certa maneira. Por exemplo, que não tenha escolhido ter uma família própria. Mas na verdade sou uma supermãe, é uma parte da minha vida que amo profundamente

Não precisa ser esse estereótipo da mãe que fica em casa nem o da mulher super-poderosa. Geralmente, minha sugestão é “faça o que te motiva”. Não existe uma receita.

E quais são os próximos passos?
GABRIEL: No curto prazo, estamos preparando tudo para lançar a Mozper no México ainda em 2023. E continuar crescendo no Brasil.

Agora sou residente no Brasil e casado com uma mexicana, então sou um uruguaio que divide minha paixão entre os dois países. 

Quero continuar ouvindo dos pais que os estamos ajudando a criar filhos financeiramente inteligentes. Espero que um dia alguém que usou a Mozper quando jovem possa dizer que aprendeu a administrar seu dinheiro com a nossa ajuda

É algo que adoraríamos ouvir não só dos pais, mas também das crianças.

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