Prestar contas de despesas é uma dor de cabeça para o funcionário que viaja a trabalho, certo? Pois para a companhia empregadora também não é fácil orçar passagens e hospedagens, planejar e ressarcir gastos…
A VOLL surgiu com a missão de simplificar esse processo. A traveltech de gestão de viagens e mobilidade corporativa reúne companhias aéreas, hotéis, locadoras de veículos e aplicativos de transporte, compara os preços e sugere as melhores opções, dentro do orçamento estabelecido pelo cliente — que segundo a startup chega a reduzir seus custos com viagem em até 30%.
Em expansão, a startup recentemente incorporou ao seu sistema uma ferramenta de pagamento digital, a VOLL Pay, que substitui as burocracias do cartão corporativo.
É mais uma iniciativa que ajuda a chacoalhar um mercado no qual “não se inovava há mais de dez anos”, segundo Jordana Souza, sócia da VOLL:
“Viagens sempre foram produtos periféricos dentro de uma empresa, não existia em viagens corporativas uma ferramenta que contemplasse tudo. Elas representam uma conta grande, mas costumam ser colocadas de lado”
A catarinense Jordana, 33, pilota a startup com um trio de mineiros: Luiz Moura, 32, Luciano Brandão, 36, e Eduardo Vasconcellos, 40. Fundada em 2017, a VOLL (o nome significa “completo” em alemão) faturou 200 milhões de reais no ano passado.
A empresa tem hoje cerca de 300 clientes, incluindo grandes marcas como Itaú, Pepsico, McDonald’s, Sodexo e Vivo. Os usuários — ou seja, os colaboradores das companhias que utilizam a plataforma — já são cerca de 400 mil.
O crescimento do setor, capaz de movimentar mais de 8 bilhões de reais em um único mês, foi um dos motivos que encorajaram o quarteto a apostar na ideia, com o desafio de quebrar a resistência das empresas a um modelo novo de tecnologia.
Mas foram as dores do mercado (observadas com a experiência de quem fez carreira no segmento de viagens e mobilidade urbana) o ponto de partida para desenvolver uma ferramenta para desfragmentar a organização dos deslocamentos corporativos.
Para os gestores, a experiência significava acionar uma agência para comprar uma passagem aérea, outra para acertar a hospedagem, buscar um carro para alugar no destino ou combinar de reembolsar o colaborador pelas corridas de táxi ou de aplicativo.
Para os funcionários, significava se adequar a escolhas de voos e hospedagem que nem sempre eram as melhores opções, e enfrentar longas burocracias para obter reembolsos.
“Precisávamos fazer algo, porque o mercado tradicional não iria sobreviver”, diz Jordana.
Natural de Criciúma, Jordana saiu de casa aos 16 anos para estudar engenharia civil no Rio de Janeiro. Na metade da graduação, porém, o sangue empreendedor da família falou mais alto.
A jovem trocou de curso, começou a estudar marketing e profissionalizou o que a sua “versão menina” havia aprendido ajudando no comércio da mãe.
“Minha mãe é a melhor vendedora que conheço. Onde ela põe a mão, faz dinheiro. A família era muito simples, mas eu cresci no meio disso, auxiliando em todos os negócios. E acabava escutando de todos os meus amigos: por que você não está em uma frente de vendas?”
Ainda na graduação, Jordana integrou a equipe de matrículas e pós-graduação da própria universidade, administrando o tempo entre o curso, o trabalho e a gravidez da primeira filha.
Quando a família precisou se mudar para Belo Horizonte por causa de uma transferência do seu então marido, Jordana conseguiu um emprego na área comercial da Atlas Schindler.
Seus resultados na multinacional de elevadores chamaram a atenção da Cabify, que àquela época, 2016, estava chegando ao Brasil e prometia disputar com a Uber o mercado corporativo.
Convidada para fazer parte da equipe enxuta de dez funcionários, Jordana viu a oportunidade de concretizar o que sempre quis: começar algo praticamente do zero e se tornar líder no segmento de vendas.
“Sempre tive uma meta de carreira muito clara. A partir do momento em que identifiquei que eu era boa em vendas e a me dedicar muito a isso, meu sonho virou me tornar referência. E em uma startup essa oportunidade era maior”
Na Cabify, ela acabou participando ativamente da construção da legislação sobre o funcionamento dos aplicativos de transporte. O lado empreendedor, mais uma vez, teve de se sobressair.
“Quando a gente chega numa empresa em que os processos já estão bem definidos, você é ‘mais uma’. No modelo startup, sua capacidade não é limitada; na verdade, se souber aproveitar, você ganha carta branca para promover melhorias e tocar as ações que quiser.”
Foi oferecendo os serviços corporativos da Cabify a uma agência de viagens que Jordana conheceu Eduardo, Luiz e Luciano, futuros sócios na VOLL.
Eles tinham um projeto de automatizar a cotação e a prestação de contas de serviços de táxis nas empresas. Ela veio com a ideia de integrar a esse sistema os aplicativos de transporte.
“Já havia esse movimento nos Estados Unidos e na Europa”, diz Jordana. “E o Brasil também merecia essa solução.”
Assim, Jordana deixou a Cabify para abrir a VOLL com os três sócios. O objetivo, então, era fazer as empresas enxergarem que poderia haver uma maneira mais fácil de fazer a gestão de viagens — e, de quebra, oferecer ao colaborador uma experiência mais descomplicada.
“Vimos que era possível dar uma experiência única ao funcionário, garantindo todos os dados para controle do gestor no backoffice”
Com a ferramenta da VOLL, o próprio colaborador pode lançar as notas fiscais dentro do aplicativo, que automaticamente soma e calcula os valores a serem ressarcidos, evitando que a área administrativa da companhia se perca — e perca tempo — em meio a tantos formulários e planilhas.
A economia é um fator relevante. Segundo Jordana, em algumas empresas grandes, as despesas com táxi, somando as viagens de milhares de colaboradores, podem ultrapassar 2 milhões de reais.
Com a VOLL, os aplicativos de transporte em carro privado passaram a ser incluídos entre as opções do viajante, resultando em uma otimização de custos.
Um exemplo disso, segundo Jordana, é o case do primeiro grande cliente da VOLL: a Telefônica, que detém a marca comercial da Vivo.
De agosto de 2018, quando começou a utilizar a plataforma, a dezembro daquele ano, a companhia viu suas despesas diminuírem em 40%.
A satisfação com o serviço foi tamanha, segundo a empreendedora, que a Telefônica virou investidora em 2020, na primeira rodada —além de ter aberto portas para a captação de outros clientes de peso.
Além disso, a companhia que contrata a VOLL pode cadastrar no aplicativo acordos, por exemplo, com hotéis e companhias aéreas; caso a empresa seja de pequeno porte, a plataforma disponibiliza condições especiais, celebradas a partir de suas próprias parcerias.
“Assim, a gente consegue atender desde empresas com três funcionários até as com 98 mil funcionários”, destaca.
E 98 mil não é força de expressão. É o número de colaboradores do Itaú cadastrados no sistema da VOLL.
“Imagine 98 mil pessoas utilizando uma plataforma para voo, outra para hotel e uma terceira para mobilidade urbana… São três plataformas que não conversam, uma confusão. Além disso, a empresa não saberia se um funcionário realmente saiu do ponto A para o ponto B, se foi de fato uma corrida a trabalho…”
Para a VOLL, a monetização vem por meio da “transaction fee”: a cada vez que um colaborador em viagem compra uma passagem aérea, se hospeda num hotel ou chama um carro de aplicativo, é cobrada uma taxa.
Isso é acordado previamente com a empresa contratante, que informa os serviços que deseja incluir e obtém da plataforma uma proposta de orçamento.
A promessa, além de simplificar os processos, é de que a redução nos custos compense financeiramente a contratação da VOLL.
Engana-se quem pensa que a pandemia resultou em demissões ou em uma reformulação nos negócios da VOLL. A travel tech, que começou com 20 funcionários, hoje tem 324 colaboradores, que se dividem entre a sede em Belo Horizonte, as filiais de São Paulo e Rio de Janeiro, e em home office, espalhados pelas cinco regiões do país.
No início de 2020, a VOLL recebeu 4 milhões de reais de aportes liderados pela Iporanga Ventures e pela Wayra. Em 2021, foi a única do segmento a integrar a edição daquele ano do ranking 100 Startups To Watch. E, em abril de 2022, teve uma fatia adquirida pela Localiza Fleet, por um valor não divulgado.
O mercado de viagens corporativas, por sinal, praticamente já voltou ao patamar anterior ao início da pandemia. Segundo pesquisa divulgada em setembro pela Associação Brasileira de Viagens Corporativas (Alagev) e pela FecomercioSP, o setor movimentou 8,2 bilhões de reais em junho.
Esse volume representa o dobro do valor registrado em 2021 — e apenas 3,5% menos do que os 8,5 bilhões de reais alcançados em junho de 2019, quando o coronavírus ainda não era uma ameaça mundial. Jordana afirma:
“As empresas pararam de olhar só para o custo das viagens e começaram a refletir sobre o que poderiam oferecer de especial ao colaborador”
Um exemplo é a autonomia para que o funcionário, dentro de um orçamento pré-fixado, faça suas próprias escolhas — um voo cujo horário permita deixar o filho na escola antes, ou um hotel que tenha academia.
No futuro, a travel tech cogita ampliar seu escopo e oferecer seus serviços também para pessoas físicas. “Mas é difícil entrar nesse mercado”, diz Jordana. “Exige muito investimento e dispersa um pouco o foco.”
Enquanto esse dia não chega, a VOLL mantém as atenções voltadas ao mercado corporativo. Com 97% de usuários que consideram a experiência da plataforma positiva, para orgulho da empreendedora.
Um dispositivo coleta e transmite até 5 mil dados diários, que permitem aos clientes (já são cerca de mil) controlar gastos com combustível, programar manutenções e saber se os motoristas estão cumprindo as rotas no prazo certo, sem infringir as leis de trânsito.