O projeto que regulamenta o uso da cannabis medicinal no Brasil continua empacado no Congresso. Mesmo assim, o mercado brasileiro segue aquecido.
Fundada em 2019, a Remederi nasceu com o propósito duplo de acompanhar a jornada do paciente e educar médicos sobre o uso e prescrição da substância.
Nesse segundo objetivo, a meta, diz Fabrizio Postiglione, fundador e CEO da startup, é “capacitá-los para aplicar esse tipo de tratamento em suas práticas clínicas para patologias diversas, como dor crônica, ansiedade, insônia, autismo, epilepsia, esclerose múltipla, Parkinson e Alzheimer”.
Hoje, segundo a Anvisa, há mais de 5 500 médicos capacitados a prescrever remédios à base de cannabis no Brasil. Esse número pode parecer pequeno quando comparado ao volume de profissionais do setor (mais de 500 mil, segundo o Conselho Federal de Medicina), mas vem crescendo velozmente. Três anos atrás, o total de prescritores do país beirava os 200.
É nesse movimento crescente que a Remederi pretende surfar.
Fabrizio se formou em administração e economia pela Universidade de Plymouth, na Inglaterra.
Sua curiosidade pelo tema começou a ser despertada lá em 2009, a partir de dois colegas israelenses que estudavam engenharia agrônoma e cuja família cultivava cannabis para fins científicos.
“Eu não sabia nada sobre o assunto. Com eles, comecei a entender a indústria, e aquilo me fascinou. Pensei: como uma planta que sempre foi tão estigmatizada e rejeitada pode fazer tão bem?”
Apesar do interesse, Fabrizio não encontrou grandes oportunidades profissionais na área. Por isso, diz, a cannabis só voltou a entrar no seu radar depois de quase uma década atuando no mercado financeiro.
Aqueles mesmos colegas estavam iniciando uma sociedade com um grupo do Oregon (no Noroeste dos Estados Unidos) e precisavam de ajuda com a administração do negócio.
Assim, em 2017, chegou o convite para que Fabrizio fosse aos EUA auxiliar na expansão da empreitada. Mesmo sem nenhuma experiência, ele topou o desafio de gerenciar uma fazenda de cultivo da cannabis no Oregon.
“Eu não tinha conhecimento da agricultura, mas sempre entendi de processos, de organização e gestão de pessoas. Assumi a gestão operacional, então literalmente plantei, reguei e colhi.”
Fabrizio não tinha intenção de retornar ao Brasil. Até receber, em 2019, uma notícia que mudou os seus planos: o pai estava com câncer pulmonar.
De volta ao país para estar mais perto do pai, ele descobriu que a cannabis medicinal poderia ser importante para o tratamento. Descobriu, também, os gargalos da realidade e da legislação brasileira.
No começo, Fabrizio teve grande dificuldade para encontrar um médico apto a prescrever a planta. Depois, precisou travar outra luta para achar o produto adequado no mercado. A importação poderia levar até 60 dias — e aí, afirma, poderia ser tarde demais.
“Obviamente sempre tive interesse em trazer bem-estar para as pessoas, mas, quando a coisa bateu na minha porta, fiquei revoltado com a situação… Foi aí que veio a concretização do meu propósito, quando consegui juntar toda essa visão mercadológica”
A Remederi, segundo ele, nasceu com esse propósito de trazer acessibilidade e informação para médicos e pacientes, desmistificando o uso da planta.
Estruturar a empresa levou quase dois anos e aconteceu de forma orgânica e colaborativa, segundo o fundador.
Enquanto estabelecia estratégias mercadológicas, comerciais, de marketing e desenvolvimento de produto, Fabrizio corria atrás das licenças necessárias para atuar.
Outros sócios foram embarcando no negócio, como Fabio Giansante, mestre em segurança do produto e processo penal, que hoje é COO, e Marcella Merigo, que ajudou a estruturar o setor de marketing.
Em 2021, a Remederi lançou cursos de especialização voltados a médicos e dentistas, de forma que eles possam prescrever a aplicação da cannabis.
Hoje, a empresa trabalha em quatro frentes: a educação de médicos e pacientes; o acompanhamento ao paciente em toda a jornada de obtenção do tratamento (incluindo a parte burocrática de liberação junto à Anvisa); o desenvolvimento e venda de fármacos à base de cannabis; e as pesquisas sobre o uso farmacêutico da substância.
Sem clínica própria, a Remederi atua principalmente online, tanto na oferta de cursos quanto de consultas com médicos prescritores parceiros.
O Instituto de Ensino e Pesquisa Remederi tem sede em São Paulo e 25 colaboradores. Com foco na educação de profissionais de saúde, a instituição produz e divulga conteúdos sobre a aplicação da cannabis para tratar distúrbios como ansiedade, insônia e depressão.
“E já temos outros [materiais] sendo construídos e escritos, para a gente sempre trabalhar com educação continuada”, diz Fabrizio.
Além disso, nem dezembro de 2021 a Remederi ampliou seu escopo e passou a comercializar a sua própria linha de fármacos à base de cannabis. O negócio funciona no modelo B2B2C, já que os medicamentos precisam ser adquiridos com prescrição.
“Optamos por ter nossa própria linha de produtos e atuar como laboratório e farmacêutica, porque isso nos permite trazer o que há de melhor”
O cultivo e o desenvolvimento são realizados nos Estados Unidos, já que aqui no Brasil a lei ainda não permite plantações de cannabis para nenhum fim.
Os fármacos da empresa (atualmente, há três tipos de óleo de CBD, com valores que vão de 115 a 125 dólares) podem ser encontrados no site da Remederi em marketplaces.
Para Fabrizio, o brasileiro no geral tem um perfil mais conservador, o que acaba gerando uma legislação mais restrita e criando barreiras para a cannabis, sobretudo em outros mercados (como o de alimentos e o de cosméticos).
A grande demanda e maior aceitação em relação ao uso medicinal, por outro lado, teriam ajudado a simplificar o processo.
“Para que esse cenário se expanda e seja mais abrangente, a fórmula é a mesma: ciência, educação e pesquisa. Essa é a melhor forma de convencimento, seja de médicos, reguladores, políticos ou pacientes”
Educar os médicos e quebrar, diariamente, os estigmas associados ao uso da planta são alguns dos desafios. Outra dificuldade é o fato de a indústria ainda estar em formação, com poucos profissionais experientes — e uma regulação que muda o tempo todo.
“A boa notícia é que essas evoluções têm sido promissoras e vêm trazendo mais flexibilidade”, diz Fabrizio.
Sem dar nome, o CEO cita alguns casos de sucesso pacientes tratados com os medicamentos à base de cannabis. Segundo ele, uma paciente, idosa, tinha desenvolvido uma depressão aguda devido a dores nas pernas, que a impediam de dançar.
Após o início do tratamento, diz Fabrizio, ela retomou as atividades normais, ainda que com restrições.
“Semana passada mesmo ela estava me agradecendo pelo tratamento. Nesses momentos, sinto meu propósito falando mais alto. Casos como esses me dão mais vontade de seguir em frente”
Ele menciona outro exemplo: uma criança que sofria todo dia dezenas de ataques epiléticos — e viu as ocorrências caírem a quase zero.
Entre março e abril deste ano, a Remederi participou da Macrorrueda 90, uma rodada de negócios na Colômbia. Segundo Fabrizio, a startup atraiu 24 propostas de empresas estrangeiras; três seguiram em análise para uma possível concretização.
Em processo de negociação com investidores, a startup por enquanto não divulga o faturamento, mas vem crescendo, de acordo com o fundador, “num ritmo de 30% ao mês” desde 2021.
O plano agora é investir em mais estudos para incrementar a gama de produtos oferecidos, passando a atender mais doenças. Além disso, o CEO pretende ampliar a rede de distribuição dos fármacos, em distribuidoras, marketplaces e farmácias tanto no Brasil quanto no exterior.
“No momento, a empresa está buscando parcerias estratégicas com profissionais de saúde e possíveis investidores para ampliar o desenvolvimento do mercado de cannabis medicinal nacional.”
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