O metaverso está chegando e traz com ele a expectativa de uma nova dimensão da experiência humana. O conceito ainda está no campo das ideias e há um longo caminho a percorrer até que o mundo realmente se veja imerso nessa realidade. Ainda é impossível ter certeza dos benefícios e riscos que essa fase carregará, entretanto, é preciso estar preparado.
Mas como as empresas poderão se antecipar e se planejar para o imprevisível, como imaginar oportunidades, como não ficar para trás?
Para responder às questões mais importantes e valiosas para começar a olhar para o futuro do negócio, conversamos com o Diretor de inovação da EY, Denis L. Balaguer. A empresa é especialista em ajudar clientes a resolver problemas e tem dado suporte completo às companhias que já estão investindo em novos modelos de negócio pensando no metaverso.
Para começar, é preciso tratar esse conceito como uma interação dentro do Web 3 de uma forma descentralizada, definida pelo usuário e com níveis de virtualização e capacidade de imersão maiores dadas as tecnologias disponíveis. “Isso diferencia o metaverso das formas de interação que já tivemos. Nesse sentido, o impacto nas empresas se dá em todas as dimensões”, aponta Denis.
Vamos começar pelas mais óbvias: as novas formas de interação com os clientes, que podem até mesmo ter mais colaboração na criação dos produtos, e com os próprios funcionários. Vale dizer que centros de realidade virtual não são exatamente novidade – há tempos times distribuídos globalmente trabalham remotamente na engenharia de produtos, com a criação de protótipos. O que muda é que agora isso se torna mais acessível e aplicável em todas as áreas.
Nesse cenário, é preciso pensar muito além. “Todo mundo terá óculos de realidade virtual. Mas o que isso significa em oportunidade de negócio? Existe um ‘segundo andar’ da economia, neste ambiente sintético, digital, que vai surgir a partir do momento em que as pessoas efetivamente, de forma imersiva, barata e colaborativa, entrarem no metaverso. O tipo de oportunidade que ele cria é imprevisível. Não tem como especificar o que vai dar certo. Vai haver muita coisa que a gente ainda nem consegue imaginar, está além da barreira do conhecimento”, diz Denis.
E o Diretor de inovação da EY faz uma provocação ainda maior e convida a pensar nos impactos do metaverso na governança.
“O tipo de discussão dentro de uma estrutura executiva deve mudar muito e o board deve ter fluência no tema para trazê-lo como mudança estratégica no negócio”.
Nesse sentido, surgem ainda os modelos de governança distribuída, revolucionando o padrão que vemos há mais de um século. São as chamadas Descentralized Autonomous Organizations (DAOs), que oferecem poderes de decisão menos concentrados e sem a intermediação de um Conselho de Administração. Na prática, acontece assim: fatia-se a empresa em blocos de valor e as decisões não são mais tomadas pelo board, e sim pelos shareholders, com votações em tempo real. O conceito ainda está em fase inicial, apesar de já haver empresas praticando, porém, precisa ser lapidado.
Sabe aquela máxima “It’s already too late”? Pois já estamos atrasados para um processo como esse, que exige investimentos de longo prazo e transformações radicais no modo de operação. É preciso começar pelo questionamento interno: o que significa a mudança para a minha empresa?
“Aqui, entram as oportunidades marginais dentro do meu core business – como uma campanha de marketing ou lançamento de uma loja no metaverso – ou uma análise de inovação mais radical que desafie o meu core”, instiga Denis.
Isso porque, é fundamental olhar para futuro, imaginar os cenários e entender se a empresa vai sobreviver ou se, para isso, será necessário mexer no core business, por mais desconfortável que possa parecer. “É preciso se perguntar o que não faz mais sentido do meu core. O que devo recriar para capturar valor baseado na razão que existo. O que é a empresa melhor no metaverso? Se eu desaparecesse hoje quem sentiria falta de mim? Essa questão é essencial da estratégia, mas é incômoda porque se conecta com o Dilema do Inovador. As companhias bem-sucedidas são máquinas de eficiência, de fazer melhor o que elas já fazem, entretanto, não são boas em abandonar parte do que fazem para recriar sua proposta de valor”, aponta o Diretor de Inovação da EY.
O economista austríaco Joseph Schumpeter, que desenvolveu a teoria da Destruição Criativa, já afirmava na década de 1940 que não é possível se chegar ao novo por sucessivos incrementos do velho. E Denis questiona:
“A mudança radical não está em fazer um pouco melhor do que já faço para conseguir me manter relevante nesse novo mundo. A preocupação no long-run tem de ser: quem é minha empresa nesse mundo mediado pelo metaverso?”
Segundo o Diretor de Inovação da EY, é imprescindível operar no bimodal. Isso significa ter dois modos de gestão ao mesmo tempo, sendo que um é o da rotina do negócio e o outro é totalmente focado em inovação, aprendizado, experimentação, onde é possível errar, corrigir e se preparar para o futuro que está logo aí. Quando esse estiver preparado, a migração do modo um para o modo dois vai acontecendo de forma natural e segura.
“É preciso ter um espaço na organização com métricas, modelos operativos, heurísticas de desenvolvimento, conjunto de capabilities diferentes no modo dois. Essa mudança na natureza da organização para conseguir operar no bimodal é crucial para estar à frente”, comenta Denis.
A verdade é que ainda não conseguimos resolver alguns problemas básicos de propriedade de dados e privacidade, por exemplo, então fica a incerteza de como ficarão as questões regulatórias no metaverso. E o pior, como estabelecer regras para casos de uso que não ainda estão definidos. Nesse sentido, é preciso operar também no modo bimodal. Há riscos que não conseguimos enxergar, por isso é necessário criar ambientes controlados de teste para entender o impacto e chegar à proteção.
“O grande salto é como o regulador se torna alavanca de inovação e não âncora. Isso só se dá por meio da transformação, da capacidade de se antecipar. É preciso fazer a gestão de risco, experimentar o risco, aprender junto para entender as consequências de primeira, segunda e terceira ordens e poder regular.”
A experiência recente de algumas entidades com o estabelecimento de “sandboxs regulatórias” vem se mostrando um importante caminho para promover esta nova dinâmica da agenda de regulação. Nestas “sandboxs” um grupo de empresas e agentes regulatórios experimentam com casos reais para explorar e entender as implicações de inovações radicais, antes que os produtos ou serviços sejam efetivamente lançados no mercado.
Para Denis, a transformação digital e, por conseguinte, o próprio metaverso trazem uma enorme oportunidade de inclusão. “A grande vantagem de uma mudança de paradigma tecnológico é que o custo de superar a infraestrutura estabelecida é menor. Por exemplo, a comunicação em países atrasados não precisou passar pelo telefone com fio para todo mundo para depois chegar ao celular. Essa tecnologia já entrou mais barata”, exemplifica.
O grande trunfo é saltar etapas, permitindo que grandes massas até agora excluídas possam acessar um conjunto de tecnologias sem ter de passar pelas fases anteriores.
“Você apaga as exclusões que estavam associadas a ter uma necessidade de certa infraestrutura e permite que esses novos usuários acessem diretamente esses espaços de oportunidades”, diz.
E o movimento aponta nessa direção, já que o sucesso do metaverso só fará sentido se houver uma adesão em massa das pessoas.