Na tela do computador, os funcionários da Minerva Foods conseguem ver, em tempo real, se a propriedade de onde vem o animal está regularizada, se provoca ou não desmatamento, se ocupa terra indígena ou área de proteção, se está ou não lista de trabalho escravo. Se houver irregularidade, a compra não acontece.
Essa plataforma vem sendo desenvolvida há dez anos e usa sobreposição de dados públicos como CAR (Cadastro Ambiental Rural) e INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para fazer o monitoramento. É a aposta da Minerva para garantir a rastreabilidade dos fornecedores e combate ao desmatamento, dois dos pilares de sustentabilidade da companhia, que tem 70% da sua receita oriunda da exportação para cerca de 100 países, principalmente Estados Unidos, China e União Europeia. Segundo Taciano Custódio, diretor de Sustentabilidade da Minerva Foods:
“A demanda internacional guia a sustentabilidade, seja pelos países que exigem desmatamento zero e rastreabilidade, como Estados Unidos e União Europeia, ou países que exigem qualidade, como a China”
Com atuação no Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Colômbia e Chile, a Minerva Foods é uma empresa brasileira que produz, comercializa e processa carne in natura e derivados. São 25 plantas de abate e desossa, 14 Centros de Distribuição e três plantas de processamento. É a segunda maior exportadora de carne do Brasil, ficando atrás apenas da JBS
A sustentabilidade na cadeia de gado, diz Taciano, está diretamente ligada ao manejo animal e ao uso de tecnologia no campo, como melhoramento genético e sistemas integrados entre lavoura e pecuária, que geram menos impacto no meio ambiente.
Dois projetos de medição de carbono desenvolvido pela Minerva em parceria com a Embrapa e a Imaflora apontaram, na rede de fornecedores da companhia em toda a América Latina, exemplos de pecuária de baixo carbono. No projeto com a Embrapa, feito em 22 propriedades no Brasil (o que representa 70 mil hectares e mais de 250 mil cabeças de gado), 95% tinham emissões abaixo da média nacional e dez propriedades eram carbono negativo.
Para Taciano, essa é a prova de que é possível melhorar a cadeia. Porém, há um longo caminho pela frente que passa por investimento em tecnologia e em boas práticas, algo ainda inacessível para pequenos e médios produtores, que são a maioria no Brasil. Segundo o diretor, 80% da produção brasileira fica no mercado doméstico e é guiada pelo preço, o que faz com que a realidade da Minerva não reflita a realidade da maioria das criações nacionais.
“O grande desafio é como desenvolver modelos de negócios mais rentáveis para o produtor. Porque o produtor que está produzindo dentro de um perfil exportador recebe por isso. Mas é todo mundo que consegue isso? Não, infelizmente. Isso tem um custo e é mais caro”
Na entrevista a seguir, Taciano fala sobre os principais pontos e desafios deste trabalho.
Por que a Minerva colocou a meta de eliminar o desmatamento ilegal na cadeia até 2030 e zerar as emissões líquidas de carbono até 2035?
Quando olhamos para o perfil de emissões da Minerva, o maior volume está na cadeia produtiva, ou seja, na produção de gado, principalmente relacionado a desmatamento e gás metano. Então, precisamos reduzir o máximo de emissões dessa cadeia, auxiliando os produtores a se tornarem mais tecnificados, além de reduzir as emissões das fábricas, para chegar em 2035 comprando menos créditos para abater aquilo que continuamos emitindo.
O que significa na prática ter “produtores mais tecnificados”?
A Minerva é uma empresa de desmonte, ou seja, a gente desmonta o animal e distribui. Não conseguimos agregar elementos de qualidade, como gordura ou maciez, na fábrica. Eles vêm do produtor. E para produzir com a precocidade, o nível de PH e genética que o mercado internacional demanda, o produtor tem que investir em genética, nutrição, rotação de pastagem, semiconfinamento, veterinário, zootecnista. Isso forma uma cadeia tecnificada.
Como essa tecnificação do produtor se relaciona com a sustentabilidade?
O produtor que tem um modelo de negócio mais tecnificado e intensificado tem um negócio mais rentável e com mais acesso a mercados.
E quanto mais rentável for o produtor, mais ele investe no negócio e ajuda a desenvolver o contexto local onde está inserido. Isso inclui investir em proteção ambiental, biodiversidade, área de preservação permanente, sistemas que integram lavoura, pecuária e floresta
Para ele, isso é negócio. E tudo isso é sustentabilidade.
Um dos problemas da pecuária é a emissão de gás metano. O que a Minerva tem feito nesse sentido?
Para atender a demanda do mercado internacional, a média de abate da Minerva é entre 10 e 12 meses abaixo da média brasileira. E a redução da idade de abate é o que mais impacta a emissão de metano. Se você comparar um animal de 40 meses com um de 24 meses, são 16 meses a menos emitindo.
Já existem empresas de nutrição animal desenvolvendo tecnologia para reduzir a emissão de gás metano com a ingestão de algum tipo de nutriente, mas nada ainda está comprovado. Temos olhado essa tendência, mas o nosso principal ponto é a redução da idade de abate.
É a demanda internacional que está pautando a sustentabilidade dos produtores?
A maturidade de sustentabilidade de cada país é diferente. Europa e Estados Unidos, por exemplo, falam de rastreabilidade, direitos humanos, desmatamento, emissões. Há países que não têm essa maturidade, incluindo a China, que não demanda especificamente as emissões e a rastreabilidade, mas demanda alta qualidade.
E os critérios de qualidade sensorial da carne passam pela precocidade, genética, raças cruzadas e PH baixo, que aumenta o tempo de prateleira do produto. Tudo isso está conectado com o manejo animal, o que está totalmente relacionado com a sustentabilidade.
A Minerva Foods já rastreia 100% da cadeia de produção no Brasil e no Paraguai. Como funciona esse rastreamento? E o que acontece quando um fornecedor é pego em uma situação ilegal, como desmatamento?
No Brasil e Paraguai, onde a gente já está com o sistema implantado, são 26 milhões de hectares, que equivalem ao tamanho do Reino Unido. O que o nosso sistema faz é sobrepor dados geográficos públicos, como os dados do INPE e do CAR, além de dados como lista de áreas embargadas e de trabalho escravo.
Isso é 100% integrado, ou seja, para a compra de gado ocorrer tem que estar monitorado, senão a Minerva não compra. Temos mais de 2 500 fazendas bloqueadas para compra por desmatamento, presença em terra indígena ou área de conservação
Nós não compramos essa carne, mas tem muita empresa que compra. E aqui temos uma questão social importante. Esse animal não vai deixar de ser abatido e virar pastel de carne ou macarrão à bolonhesa porque a Minerva não comprou. Quem vai comprar são os frigoríficos que não têm compromisso.
Eu nem ataco 100% o que acontece em uma cadeia menos tecnificada, de médios e pequenos frigoríficos, porque estamos falando do preço da Cesta Básica… Então, o desafio é muito grande ainda, já que esses frigoríficos estão totalmente fora de uma cadeia organizada de exportadores.
Uma vez que toda a cadeia já é rastreada pela companhia, qual o desafio da Minerva agora?
Monitorar os fornecedores indiretos que, basicamente, são o início do ciclo da pecuária. É o produtor de bezerro ou boi magro. A Minerva tem muito produtor de ciclo completo, ou seja, que tem fazenda de cria porque investe pesado em genética e faz a engorda e confinamento. Mas, ainda assim, existe um risco grande sobre o indireto.
Estamos tentando endereçar isso com duas iniciativas. Uma delas é a Visipec, um sistema desenvolvido por uma universidade americana que cruza dados de GTA [Guia de Trânsito Animal – documento oficial para transporte de animais no Brasil] com o CAR. É um sistema que olha para o passado, então ajuda a analisar o risco da região
Nos testes com essa ferramenta, [verificamos que] mais de 99% dos nossos fornecedores indiretos não estão desmatando, o que corrobora a ideia de que uma cadeia tecnificada tende a ser menos exposta ao risco, porque depende mais de investimento. E isso reflete no fornecedor indireto, porque para produzir um animal que atenda às exigências internacionais, o produtor tem que investir em genética, nutrição, rotação de pastagem, semiconfinado, veterinário, zootecnista.
A outra iniciativa é o SMGeo Prospec, lançado no final do ano passado. Basicamente, é transferência de tecnologia pro produtor, dando a ele a possibilidade de consultar, por exemplo, o CPF e dados do CAR antes da compra. É deixar de olhar pra trás e olhar para a frente.
O SMGeo Prospec é um aplicativo que qualquer produtor pode baixar e usar?
Sim. Essa não é uma solução da Minerva, mas da empresa desenvolvedora. Nós somos parceiros porque ajudamos a desenvolver e estamos trazendo a nossa cadeia para dentro da ferramenta.
Por enquanto não temos atuado de maneira mandatória, e sim levando para o produtor a vantagem de fazer parte desse sistema. Monitorando e criando um banco de dados de quem ele compra, poderemos rastrear toda a cadeia e oferecer a carne dele para um cliente internacional como sendo 100% rastreada
E a partir do momento que eu posiciono esse produto no mercado e ofereço, posso voltar para esse produtor com uma remuneração diferenciada.
É a sustentabilidade aliada aos resultados financeiros?
Sim. A nossa abordagem tem sido sempre a de que não é a sustentabilidade “abraçar árvore”, mas a sustentabilidade de rentabilidade do negócio, desenvolvimento local, proteção do meio ambiente no conjunto de produção de proteína animal de maneira mais sustentável.
Os projetos que a Minerva Foods desenvolveu com o Imaflora e com a Embrapa apontaram que a pecuária pode ajudar a retirar carbono da atmosfera. Estes projetos continuam?
Esses projetos fazem parte do Programa Renove, criado para incentivar a cadeia a emitir menos carbono por meio de intensificação, redução da idade de abate, práticas de rotação, integração lavoura-pecuária, tecnologia para melhorar o negócio de produção de carne.
Nos dois projetos, fomos a campo medir o balanço de carbono dos nossos fornecedores. Não interferimos em nada que o produtor fazia, apenas medimos. E os resultados foram surpreendentes porque encontramos emissões abaixo da média e até fazendas que já são carbono negativo
Sempre lembrando que estamos falando de produtores com perfil exportador. Agora, queremos alavancar essa análise e, neste ano, medir as emissões de 300 propriedades.
Como vão fazer isso?
Um dos principais pontos para alavancar o volume de fazendas é a tecnologia geográfica. Para isso, estamos desenvolvendo um projeto em parceria com a Biofílica e a Santos Lab para uso de imagens de satélite para fazer balanço de carbono. Também é tecnologia de ponta para podermos ter um olhar mais amplo.
Que práticas vocês identificaram que fazem essas fazendas emitirem menos carbono?
A adoção de sistemas tecnificados, sistema intensivo, baixa idade de abate, pasto bom e não degradado e integração lavoura-pecuária ou lavoura-pecuária-floresta. É sempre tecnologia.
E como a Minerva pretende levar esse resultado para outras fazendas, outros fornecedores?
Identificando o perfil e aprendendo. O que faz essa fazenda “Número Um” ser tão boa assim? Eu consigo aplicar isso em outra propriedade? É onde vamos entrar em capacitação e conexão com o mercado de crédito, pilares que também fazem parte do projeto Renove. Porque para fazer uma integração, o produtor vai precisar de grana.
No fundo, o que a gente quer, como indústria, é ajudar o produtor a melhorar as emissões e ofertar isso no mercado. É isso que vai permitir chegarmos em 2035 comprando menos crédito pra fazer a mitigação daquilo que continuamos emitindo.
O que é a My Carbon? Qual a importância dela nesse projeto de pecuária de baixo carbono?
A Minerva já está incentivando os produtores a baixar as emissões. Mas também queremos auxiliá-los a fazer os projetos de carbono e por isso criamos a My Carbon, uma empresa subsidiada da Minerva com 100% de foco no crédito de carbono de agricultura e floresta na América do Sul.
A ideia é ajudar os produtores a desenvolver os projetos de carbono nas suas propriedades dentro de um grande guarda-chuva de carbono agrícola, que é carbono no solo, e fazer a compra e a venda de crédito de carbono também.
Como esses projetos são desenvolvidos? É plantio de árvore?
Não necessariamente. A ideia é escolher o modelo de negócio que faz sentido para aquela região ou produtor. Pode ser plantio de floresta, mas também pode ser investir em genética e reduzir a idade de abate, ou mesmo recuperação de pastagem e integração lavoura-pecuária, que estoca carbono no solo.
Nós desenvolvemos projetos de carbono com o produtor, via My Carbon, compramos os créditos da cadeia produtiva e de qualquer produtor rural que queira participar do processo, e usamos para mitigar a nossa própria emissão. Estamos tentando fechar um ciclo junto com a cadeia produtiva
O desenvolvimento dos projetos leva no mínimo três ou quatro anos. Já estamos há dois anos desenvolvendo projetos e, daqui a pouco, vamos começar a ver produtor da Minerva tendo um segundo produto, que é o crédito de carbono. É quase que auxiliar a cadeia produtiva a enxergar que o negócio deles tem um potencial que vai além de produzir alimento. Ele vai estar sequestrando carbono e ganhando dinheiro com isso.
Você acredita que é possível ter um sistema pecuário grande com pouco impacto?
Acho que sim, porém [apenas] no longo prazo e de uma maneira muito colaborativa. Não vai ser só a iniciativa privada ou só a cadeia produtiva que vai conseguir mudar esse cenário. São muitos atores.
No curto prazo, o produtor que não se tecnificar, mesmo para atender o mercado nacional, com redução de idade de abate, investimento em bem-estar animal, recuperação de área degradada, investimento em sistemas integrados, vai ser cada vez mais expurgado do sistema… Porque o negócio dele não fica rentável
Por que o produtor da Minerva investe mais? Porque ele ganha mais. É até um pouco maldoso isso, mas o cara que tem mais e investe mais consegue mais crédito — e o pequeno fica expurgado desse universo.
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